Dizem que, quando você morre, vê sua vida passar diante dos olhos. Cada momento, cada sorriso, respiro, suspiro.
Mas comigo não.
Comigo foi diferente.
Eu vi ele.
Era 8:00 da manhã. Acordei com o cabelo assanhado e o olho ardendo, inchado. Tive um sonho estranho — daqueles em que você sabe que está sonhando, então pode fechar os olhos e, quando abrir, estará de volta à realidade.
Mas esse sonho foi diferente.
Eu não quis voltar.
Havia neblina, vento frio. Eu não sabia onde estava, mas sabia que queria ficar. Como se, de algum modo, eu pertencesse àquele lugar. Mas tudo começou a ficar pesado demais, e eu acordei.
Perdi o despertador, que tocou duas horas antes. Não tinha nada de importante mesmo pra fazer. Estou de férias, o que significa que posso fazer o que eu quiser. Isso devia soar mais libertador do que foi.
Tenho vivido dias monótonos. Confesso que a rotina me fazia esquecer o quanto a minha vida é tediosa. Estou no terceiro ano do ensino médio e não tenho amigos. Quem não tem amigos no terceiro ano do ensino médio?
É solitário.
Às vezes acho que minha vida seria completamente diferente se eu a vivesse como deveria.
O dia passa rápido, e uma sensação estranha me persegue. Esquento a comida de ontem. Não está ruim — é comestÃvel. Fico sozinha praticamente o dia todo. Meu pai sai pra trabalhar à s 5:40 e volta à s 19:00. Somos só nós há um tempo. Apesar de, à s vezes, parecer ser só eu.
Assisto a algumas séries, nenhuma consegue me prender. Algo me incomoda o tempo todo. É estranho.
São 14:00, e decidi pintar minhas unhas. Tenho escolhido a mesma cor toda vez: infinito perolado. Acho bonito, e me representa bem. Escuro, incerto e misterioso.
Escolhi a mesma cor outra vez. Mas, dois minutos depois de ter pintado, duas unhas borraram.
Deixei assim.
Já são 16:00. Não sei como o tempo passa tão rápido. Não sei o que fazer. Pensei em ir a uma festa que vão dar hoje, na casa de um cara da minha turma. Eu devia ir. Fazer amigos. Conhecer outros lugares além do meu quarto e da sala. Eu poderia dizer que aproveitei as férias de verdade — como uma pessoa normal, e não como uma idiota.
São 17:22. A festa começa às 19:00. Vou vestir alguma coisa e ajeitar esse cabelo. Não lavo ele há dias. Não tenho sentido muito ânimo para as coisas ultimamente. Tudo parece muito... igual.
Mas hoje não.
Hoje vou lavar o cabelo e vestir uma roupa legal.
Nunca soube bem me maquiar. Nem penso na possibilidade. Ainda é cedo, mas tenho que sair logo, porque o ônibus demora. Não vou poder falar com meu pai, mas deixei uma mensagem.
Saio.
Vejo as pessoas indo aos seus destinos. Pra casa, talvez? Depois de terem trabalhado o dia todo. Talvez estejam voltando da casa de algum amigo, ou de algum familiar. Talvez estejam indo a alguma reunião casual. Seja lá o que for, para eles, parece fazer sentido. Parecem saber para onde vão — e por que estão indo.
Vejo rostos risonhos, estressados, aliviados, felizes, cansados... Mas nenhum como o meu. Nenhum perdido.
Eu deveria estar animada por estar fazendo algo diferente. Estasiada ou algo assim.
Mas não.
Estou no ponto de ônibus, e essa sensação anda me perseguindo o dia todo. Como se algo me puxasse ao breu, e eu desligasse por um momento. Quando percebo, tento respirar fundo, pra saber que estou aqui.
O ar entra. Sai.
Mas a sensação continua. Como se tentasse me neutralizar.
São 19:35. Não percebi como passou tanto tempo. O ônibus não chegou. Ou será que não vi? De qualquer forma, estou atrasada. Mas quem se importa? Posso esperar o próximo e ir para a festa. A festa na casa de um cara que não conheço bem, com várias pessoas com quem também não falo.
É uma péssima ideia.
Não devia ter saÃdo de casa. Não me sinto bem. O tempo passa rápido e parece que eu desligo o tempo todo.
Vou voltar.
Talvez eu deva aceitar que a vida não passa de dias repetidos e sem graça.
Olho para os dois lados da pista.
Não vem nenhum carro.
Atravesso.
Outra pista.
Dessa vez, não olho.
E aquela sensação me invade.
Uma luz forte.
Um som alto.
Dizem que, quando você morre, vê sua vida passar diante dos olhos. Cada momento, cada sorriso, respiro, suspiro.
Mas comigo não.
Comigo foi diferente.
Eu vi ele.
O vazio.
E foi estranho.
Me pareceu familiar.
Obrigada por ter lido até aqui.
Esse conto foi escrito com o coração aberto.
Que a gente nunca se acostume com o vazio. Que sempre haja espaço pra respirar, sentir e recomeçar.
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